domingo, 2 de janeiro de 2011

POUCAS & BOAS - Eduardo Kruschewsky

FIM DE ANO

Belo dezembro! Os meninos passaram de ano, administrara com sapiência as finanças e foi possível comprar os presentes da família, embora com parcimônia. Prometeu que no Carnaval estariam todos aproveitando em Salvador. Refestelado na poltrona, toma sua cidra que considerava um belo substituto da champagne dispensado por ser caro e, também, porque como brasileiro convicto prestigiava, sobretudo, o produto nacional. Nada de estrangeirismos. “Viva o Brasil” – brindou entusiasmado, erguendo a taça para o nada, sem companhia etílica. Vai enchendo taças e taças da bebida adocicada e espumante, vendo TV. Daí a pouco, o telefone toca e o filho mais velho atende. Depois, fala ligeiramente com o pai, alega que vai a um réveillon com a namorada, pega as chaves do carro e some. As crianças dormem como crias, aninhadas na mãe. Esta, cabeça voltada para baixo, ressona como toda dona de casa em frente ao sonífero aparelho. Nunca se sentiu tão irremediavelmente só. Precisa de companhia, falar com alguém, volta-lhe a vontade de fumar.

Só resta aberto o boteco da esquina. Ao abrir o portão, apura o ouvido na rua deserta e ouve ecos da festa de fim de ano acontecendo ao longe. 11:30 horas. Anda a passos curtos e incertos, sentindo-se embriagado. Cumprimenta o dono do boteco que cochilava sentado em um tamborete, de braços cruzados. Pede e acende um cigarro, para ingerir em sequência imediata algumas doses de cachaça, vez por outra puxando conversa com o dono da taberna que responde de má vontade, sonolento. Dentro em pouco, sente a própria voz embolada e, vacilante, paga a despesa, saindo da espelunca. Na beira da calçada, cospe grosso e limpa a baba com as costas da mão. Sem perceber, toma a direção oposta da casa, tossindo vez por outra e fumando. Nunca fora bom em direcionar rotas e, pior, embriagado. Daí a pouco, dá uma parada, não consegue identificar onde está. Volta-se em todas as direções e está inteiramente sem noção de lugar onde. Profere impropérios, inquirindo a si mesmo como é que sua casa sumiu de repente. Encosta-se em um muro e tenta urinar. Apoia-se na mão direita, enquanto com a esquerda procura o zíper. Gesto inútil, molha inteiramente a bermuda. Vira-se de frente, recostado no muro. Puxa o catarro da garganta, cospe sujando boca e queixo, para limpá-los com má vontade e nojo. Acima de sua cabeça, a lua é cheia e bonita. De repente, lá longe, estouram os fogos e ouve com nitidez os votos de Feliz Ano Novo. Gargalha, abraça a si mesmo, cumprimenta um gato vadio que passa. Balbuciando de maneira incompreensível, a boca cheia de saliva e restos de catarro, com os olhos marejados, vai escorregando de costas, muro abaixo, até cai sentado na poça de urina. Tomba a cabeça sobre o peito e dorme quase que de imediato...